Notas de algumas leituras, sem pretensões de crítica literária.

Seleção de alguns poemas, com ou sem comentários.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

BUFO & SPALLANZANI, Rubem Fonseca. Sextante, 2011.



O narrador é Gustavo Flávio, escritor obcecado por sexo, que surge também em outros livros seus. Propõe-se escrever Bufo & Spallanzani, livro pelo qual já recebeu adiantamentos e, por isso, é pressionado pelos editores. Em certa medida este escritor/narrador é o próprio escritor R.F., pois sendo o primeiro personagem da história não poderia narrar mais do que aquilo que viu e lhe contaram, o que não é o caso, pois conhece o que as outras personagens dizem e fazem em lugares bem distantes.
Tudo o que Gustavo Flávio escreve para a abertura de Bufo & Spallanzani cabe em três páginas (115-118). Spallanzani, sábio, padre e investigador, conduz uma experiência em que junta um casal de sapos da espécie Bufo, e o sapo, apesar de o sábio lhe queimar as patas traseiras, continua a cópula com a fêmea até à morte, mas antes da sua garganta sai um som belo e harmonioso.
Naturalmente surgem várias perguntas:
Que simboliza isto?
Quem é o sapo no livro? (O próprio Gustavo Flávio implica que gostaria de o ser, na frase inicial, quando diz para a sua companheira: «Você fez de mim um sátiro (e um glutão), por isso gostaria de permanecer agarrado às suas costas, como Bufo, e, como ele, poderia ter minha perna carbonizada sem perder essa obsessão».
Será que este livro deveria ter outro título?…
Ainda que no início, depois da ocorrência de uma morte misteriosa, pudéssemos esperar um policial, este livro é em grande medida um livro sobre a escrita, o escritor, personagens, temas… Abundam citações sobre a arte de escrever, Há quase que um confronto com o leitor no sentido de lhe provar quão pequena é a sua sabedoria comparada com a erudição do autor sobre este tema. Para que o leitor não se confunda toma posição sobre género literário: «se isto fosse um romance […] teria um fim pífio […]. Mas isto, repito, não é um romance» (p.173). Na sequência disto afirma ser a obra do tipo memorialista.
O sexo é tema recorrente. Aparece sempre em linguagem vernácula, violenta e sem eufemismos. Critica mesmo os escritores que apresentam as suas personagens como figuras assexuadas que expressam “paixões platónicas ou metaforizadas”.
Um outro tema importante é o suicídio, apesar de surgir apenas no início e no fim da obra.
O livro critica tamvém várias atividades sociais. Por exemplo, o desporto surge como «abominável metáfora armamentista e de violência de povos e indivíduos.» (p.8)

Algumas citações sobre a escrita:
«O valor da poesia está no seu paradoxo, o que a poesia diz é aquilo que não é dito». (p. 18)
«Meus livros devem ser lidos com sofreguidão, sem interrupção…» (p. 30)
«…os escritores detestam a confusão e a desordem […] Rejeitamos o caos mas repudiamos ainda mais a ordem…» (p. 101)
«Words are, of course, the most powerful drug used by mankind.» (p. 110)
«Talvez seja esse mesmo o destino final de todos os papéis escritos, cartas, livros, testamentos, contratos escrituras, depoimentos… o lixo…». (p. 205)
«Se eu fosso Victor Hugo, o senhor viraria meu personagem.» (p. 207) Afirmação cheia de ironia, pois de facto Gustavo é personagem de Rubem Fonseca e o policial Guedes é personagem de Gustavo.

Fonseca, Rubem. Bufo & Spallanzani, Sextante, 2011.


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